No primeiro dia sem uso obrigatório de máscaras nas ruas do Rio, cariocas se dividem entre comemoração e precaução
Dois amigos de longa data se cruzam ao atravessar um sinal na Avenida Presidente Vargas, nas proximidades da Central do Brasil, e se cumprimentam com um forte abraço, o primeiro em muito tempo. Andando pelas ruas do Centro sem máscaras, eles puderam se reconhecer em meio ao vaivém de pessoas que passam por ali ainda com a proteção facial. Os cariocas voltaram a mostrar seus rostos, ainda que com cautela, na tarde desta quinta-feira, depois da publicação de uma nota técnica da Secretaria estadual de Saúde que regulamentou a dispensa da peça em locais abertos. O Rio é a primeira capital do país a permitir a circulação de pessoas sem máscara ao ar livre, desde que não haja aglomeração.
O autônomo Igor Wesley e o auxiliar de escritório Felipe Santana não se viam há mais de um ano, apesar do contato frequente por aplicativos de conversa.
— Talvez já tenhamos nos esbarrado por aí, mas não pudemos nos reconhecer. As máscaras acabaram nos privando desses encontros na hora do almoço, desta coisa informal de quem trabalha no Centro. Mas tivemos que usar enquanto era obrigatório, faz parte — diz o autônomo, que fez questão de tirar uma máscara do bolso e lembrar que a proteção ainda é obrigatória no transporte público e em ambientes fechados.
Crença na ciência
Questionado sobre a segurança de andar sem a proteção, Wesley é interrompido pelo amigo.
— Nós usamos máscaras enquanto a ciência disse que era necessário. Se os cientistas dizem agora que é seguro andar sem elas, também acreditamos. O importante é não duvidar nunca da ciência e seguir usando onde segue sendo exigido — arrematou Felipe.
Mas o infectologista da UFRJ Roberto Medronho faz um alerta: mesmo em ambientes abertos, a infecção é possível, principalmente, se houver conversas por mais de 15 minutos e um dos participantes estiver contaminado:
— O risco de se infectar em locais abertos é pequeno em municípios com a cobertura vacinal de 65% (como é o caso da capital) com as duas doses. Mas a máscara é um utensílio muito importante. Quem puder continuar usando corre um risco ainda menor.
Na região onde os dois amigos se encontraram, a maioria seguia com os cuidados que já fazem parte da rotina. Em um ponto de ônibus na Central, a cozinheira Ana Cristina de Souza estava com máscara. Imunizada com duas doses da vacina, ela acredita que a peça ainda é necessária para preservar a integridade dela e dos seus clientes.
— Cozinho para alguns idosos, com os quais tenho contato frequente. Enquanto a pandemia não terminar formalmente, vou seguir usando máscara, protegendo a mim e aos outros — garante.
E ela não está sozinha com esta preocupação. A pouco mais de dez quilômetros dali, em Copacabana, o engenheiro Richard Souza se mostrou surpreso ao saber da liberação e afirmou que seguirá usando máscara sempre que sair de casa.
— Não duvido da ciência e não tenho conhecimento técnico para me opor a esta decisão, mas contraí Covid-19 logo no início da pandemia e fiquei mal, além de ter perdido um grande amigo para a doença. Tomei as duas doses e sigo me cuidando. Não entendo tanta pressa para a liberação — disse ele.
Na orla da praia, o vendedor de caipirinhas Arthur Júnior comemorava o fato de não precisar mais trabalhar “mascarado”.
— Depois de muito tempo, consigo não ter peso na consciência ao me expor, mas entendo quem ainda quer usar máscaras. Eu acho que esta liberação passa um recado positivo sobre a vacinação, a importância de termos nos mantido em casa. Mas, para quem trabalha com a lábia, com vendas, é fundamental mostrar o rosto e convencer o cliente. O verão está vindo aí, era o que faltava para eu arrebentar — afirmou, antes de fechar a venda das últimas bebidas da sua bandeja para um grupo de turistas alemãs.
‘Liberdade novamente’
No entanto, Arthur ainda fazia parte de uma minoria, já que era possível ver pessoas se exercitando e até mesmo aproveitando as areias com máscaras. Funcionária de um quiosque, a garçonete Carol Tostes havia sido avisada há poucos minutos sobre a liberação, quando decidiu caminhar com o rosto desprotegido até a estação do metrô.
— Resolvi experimentar esta liberdade novamente, depois de mais de um ano trabalhando por aqui. Mas pretendo sim, seguir usando para trabalhar, embora seja um local aberto. A interação com os clientes, que vêm de várias partes do mundo pode ser perigosa, e cuidado nunca é demais. Mas não nego que acho bom caminhar por pequenos trechos enquanto sinto o vento bater no rosto.
Morador de Brasília, pela primeira vez no Rio, o servidor público Régio Silveira aproveitou a notícia da liberação para passear livremente pelo Rio.
— Não tem jeito, as máscaras ainda seguirão fazendo parte da vida da maioria das pessoas, já que elas estarão nos nossos bolsos, mochilas e bolsas. Ainda é necessário usá-las em ambientes fechados, mas é inegável a satisfação de sentir que a sociedade vem vencendo a batalha contra a Covid-19 — afirmou ele, enquanto passeava com a mulher, Odete, que não abriu mão do uso de máscaras.
— Para quem fez tantos esforços, acho que ainda vale esperar um pouco, embora a liberação me encha de esperanças — disse ela.
O Globo